quarta-feira, 18 de março de 2009

Vernáculo parlamentar

Para quem não sabe: na semana passada, os deputados da Nação discutiam um plano governamental de benefícios fiscais para a compra de painéis solares.

José Eduardo Martins, deputado do PSD, afirma que o plano foi desenhado para beneficiar duas empresas, a Martifer e a Vulcano.

Em tom irónico, o deputado do PS, Afonso Candal, diz: “Sei que a sua preocupação são os contribuintes.. Eu sei… Eu sei… Sei que, piamente, esses são os seus interesses… São os contribuintes…”

Suspeitando que Candal estaria a insinuar que José Eduardo Martins, que é advogado na área ambiental, poderia estar a querer defender interesses dos seus clientes, o deputado do PSD vira-se para Candal e declara:

“Vai para o caralho!”

Candal ficou obviamente confuso. A que caralho estaria Martins a referir-se?

É que, na frase «vai para o caralho», o deputado do PSD utilizou o termo “caralho” como advérbio de lugar onde (Para onde vais? Para o caralho.)

Ora, sendo Candal deputado do PS, será de supor que Martins o estava a mandar para o caralho do PS.

Mas como em política, nem sempre o que parece, é, podia muito bem ser o caralho do PSD ou outro caralho qualquer.

O grande problema, sempre que se usa o termo “caralho”, é saber se o utilizamos como substantivo, adjectivo, advérbio, unidade de medida, ou como qualquer outra das múltiplas formas como se pode usar o caralho.

Por exemplo, no futebol, “caralho” é muito usado como nome próprio. De facto, mais de 60% dos jogadores de futebol se chamam Caralho. Daí, as expressões: “Passa a bola, Caralho!”, “Remata, Caralho, remata!”, “Vai-te embora, ó Caralho!”

O caralho é também usado como pontuação.

Como virgula: “Ouve lá, caralho, quando é que pagas o que me deves?”

Como ponto de exclamação: “Olha que tu não me tornas a fazer isso, caralho!”

Como ponto final parágrafo: “Não faço nem mais um caralho”.

O grande Millor Fernandes já tinha chamado a atenção para a utilização do caralho como unidade de medida: “grande comó caralho”, “longe comó caralho”.

No entanto, no ambiente de um Parlamento, “vai para o caralho” é uma novidade.

Há antecedentes, claro.

Em 1982, por exemplo, e segundo o DN, o velho Sousa Tavares, dirigindo-se ao “operário” Jerónimo de Sousa que, já nesse tempo, era deputado, disse:

“Olhe, vá à merda! Idiota! Mandrião! Vá trabalhar, que foi aquilo que nunca fez na vida! Calaceiro!”

E recuando mais dois anos, para 1980, o então deputado do PS, Raul Rego, virando-se para o mesmo Sousa Tavares, deputado do PSD, sibilou:

“Vá para a puta que o pariu!”

Percebe-se, portanto, que existe uma espécie de tradição de os deputados do nosso Parlamento se mandarem uns aos outros para sítios curiosos: para a merda, para a puta que os pariu e, agora, para o caralho!

Em resumo: não se sabe se Afonso Candal seguiu o conselho do seu colega Martins e se foi mesmo para o caralho.

Sr. deputado: quando lá chegar, diga-nos qualquer coisa.

O Coiso

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